24 de jan. de 2009

A mãe e o sniper

Era uma viagem longa e ela devia muito papo para conversar, provavelmente pelos vinte dias de assuntos acumulados no tempo em que passou servindo ao seu ocupadíssimo filho na cidade em que ele agora morava.

Então encontrou aquele jovem que, por pura educação, se dignou a responder qualquer amenidade sobre o tempo quando adentrou ao ônibus e ergueu as sobrancelhas para demonstrar surpresa e admiração pela recém promoção de um jovem cirurgião, que agora já se tornaria o ocupadíssimo cirurgião filho daquela mesma mãe.

Sobrancelhas arqueadas e pessoas carentes deveriam ser mantidas em distância segura. Sempre!

Foi então que a orgulhosa mãe sentou-se ao lado do, até então, simpático rapaz e narrou aquela versão materna dos Lusíadas - com menos seres medonhos e, claro, muito mais trombetas vitoriosas.

E assim, cada conquista fora minuciosamente retratada ao ouvinte, que até então não tivera sido interlocutor, um pouco por falta de vontade e muito por falta de oportunidade.

Numa época onde anti-heróis são protagonistas e heróis apanham muito antes de conseguir alcançar um objetivo, aquele jovem era uma proeza! Nunca passara uma dificuldade! Era uma espécie de 007 Shean Connery, quando o mocinho sequer amassava o seu terno.

Passou em primeiro lugar no primeiro vestibular (para medicina!) que tentou - embora ao ouvir a palavra "tentar" o calmo ouvinte tenha esboçado um sorriso meio de deboche que não foi notado pela mulher que falava ("um cara desses não tenta nada!"). Passou em primeiro lugar para a residência, que agora fazia em "um dos mais importantes hospitais de São Paulo". Tem a namorada mais linda do mundo. Tem amigos animados. Tem dinheiro - muito...

Em todo o tempo que falou, este arauto maternal não trouxe a tona uma febre sequer, qualquer deslize que fosse. Um rapaz irrepreensível!

E assim correu o tempo. Menos do que ela precisava, mais (muito mais) do que ele gostaria. E a viagem ia seguindo daquele modo: a cada curva da estrada, uma vitória do rebento. Longos quilômetros...

Quando o ônibus finalmente foi acomodado em sua plataforma de desembarque. O jovem, que naquele momento beijaria o chão tal qual o Papa mais popular, fez menção de levantar para partir e teve seu braço segurado. Disso resultou a pergunta que jamais esperava que surgisse naquela viagem:

- E você?

Os pensamentos correram para todos os lados. Não estava preparado para aquilo. Não saberia o que responder! Falaria dos seus sonhos? Do seu trabalho? De onde mora? Não... ele não queria se estabelecer como parâmetro para reforçar o brilhantismo daquele de quem a saga não o deixara dormir.

Então, do fundo da sua pequenez (reforçada depois de viajar ao lado da progenitora de um ente, obviamente) foi que ele agiu com a frieza de um atirador de elite que possui apenas uma oportunidade. Puxou de sua memória o único verso do único poema que conhece e falou com um sorriso plácido:

- Eu? Bem... "Eu nunca conheci quem tivesse levado porrada na vida."

5 comentários:

Unknown disse...

Ele foi bom, acertou em cheio o tiro!
Beijos

Tathiana disse...

Arrasou! Disse pouco e falou tudo.
Bjs.

Anônimo disse...

Ele foi bom, acertou em cheio o tiro!
Beijos²

(é triste quando alguém te cala assim...)

Srta Diazepan disse...

perfeito!

Rui Carlo disse...

Cuspiu na cara dela, que deve ter pensado: garoto insolente!!!
KKKKKKKKKKKk