21 de jan. de 2009

Emoções alugadas

Ela era do tipo independente que, apesar de não ligar muito para convenções, se mantinha muito discreta em suas questões particulares. Diferente de muitas pessoas, adorava a suas chamadas tias velhas, mas, igual a todas as pessoas, odiava quando queriam saber sobre "como andavam os gatinhos"?

A princípio argumentava para si mesma que o que a incomodava na questão era o plural - "Sou uma puta, por acaso?" - mas logo se convencia de que a insatisfação era com a interferência em sua vida pessoal e, justamente em uma área em que ela ainda não se achava bem resolvida. Suas tias eram como aquelas pessoas que lembram a você da mancha de molho em sua camisa, mesmo tendo sido você o algoz e a vítima daquele volume de pesto que voou do garfo.

Naquele sábado a tarde, em que parecia que o sol não se decidia entre ir e vir, já contando com a certeira pergunta resultante da mais-que-certeira visita de suas tias, resolveu que ficaria chocada e chegaria a chorar, sim, mas pela dor dos outros. Pegou sua bolsa, óculos escuros e um pacote de lenços - desejava precisar deles - e foi ao cinema. Calça jeans e camiseta: esta seria seu uniforme naquele dia onde as lágrimas derramadas não seriam, de direito, dela. Por isso aceitou ir tão "comum".

Chegou cedo. Muito cedo! Mas não podia correr o risco de assistir ao filme errado. Entao postou-se diante da saída do cinema e passou a observar a reação do público, sem sequer saber qual filme seria. Não queria escolher pelo mocinho, pela história ou mesmo pelo diretor. Queria um filme pela emoção que provocaria nela.

Sala 1: Saiu um monte de crianças reproduzindo uma fala qualquer do filme. Nem pensou duas vezes. Um monte de moleques felizes com os pais seria, de novo, motivo para que os sofrimentos dela aparecessem. Não era esse o objetivo. Tal qual não era o da Sala 2, que trazia um monte de casais que pareciam fazer ali o seu primeiro programa juntos. O que poderia se refletir em mais uma dor de ferida cutucada retornou um pequeno sorriso malicioso - "sorte a minha não ter um cara que me convida para o cinema antes de saber direito se me chamam de Ju por ser Júlia, Juliana ou Jussara."

E assim, ao fim de cada sessão um novo pensamento. Descartou a sala de onde dois adolescentes saíram trocando soquinhos e onomatopéias. Passou direto pela sala de onde vinham pessoas com cara de nada, todos empolados em seus pensamentos intelectuais. "Droga! Lágrimas não precisam de grandes questões filosóficas!", pensou a jovem que já ficava saturada dos malditos "Multiplexes" quem empilham filmes nos shoppings.

Até que viu um indivíduo sair de uma das salas com um semblante óbvio de raiva. Não era a emoção que ela queria, mas era uma de verdade! Nada de sorrisos bobos, olhares apaixonados. Não havia leveza na alma! Era sofrimento alheio na mais pura essência! Quando se aproximou para ver o número da sala para comprar o ingresso que a levaria para essa jornada de emoções ouviu o homem que atirava seu ingresso no lixo reclamar que trabalhava no inferno e que nem uma boa comédia podia assistir em paz sem que mandassem mensagens para seu celular.

A ela restou guardar para si mesma um pensamento que a divertiu por alguns segundos: bem que avisam para desligar o celular...

Ja convencida de que seria mais um sábado daqueles onde sua auto-estima era completamente destruída antes de sequer pensar em sair na noite - o que, diga-se de passagem, ajudava bastante na sua condição atual - foi que viu a porta a sua frente se abrir com pessoas notadamente mexidas. Mulheres choravam copiosamente, crianças consolavam os pais, homens quebrando o já frágil protocolo de que não deveriam chorar. Era perfeito! Era tudo que ela precisava: chorar a dor dos outros sem julgamento de quem estivesse do lado. Todos inundariam aquela sala de lágrimas juntos pelo sofrimento de alguém que talvez nunca tenha existido.

Carpideira! E do tipo que não espera receber. Pelo contrário, pagaria pelo "serviço". Mas tudo bem, seria meia a entrada.

6 comentários:

Medella disse...

Por ter feito um post tão grande (ainda mais quando convertido em tripa pelo layout do site), me senti do direito de fazer esta espécie de pósfacio para explicar aos incautos (nunca incultos!) que a idéia era a de esticar a história por mais alguns parágrafos. No entanto, achei que abusar da paciência do generoso leitor seria demais.

Aos que lamentam não terem a conclusão de uma bela história: não sofram! Meu talendo está muito aquém da possibilidade de contar uma história... o que dizer uma "boa história"?

Perdão pelo segundo longo texto do dia!

Até!

Unknown disse...

Aaaaaaaaah, você sempre faz isso com as suas histórias.. nos remete ao mais profundo da personagem e, no fim, deixa a conclusão por nós mesmos.. tudo bem, tudo bem. Mas digo uma coisa: EU NÃO QUERIA SER COMO ELA. ahahaha
Beijos

Thiago Augusto" disse...

:S

asuhasahsuhhsauhsa

tá né, deixa eu pensar no melhor fim!

Raquel Farias disse...

Descobri uma coisa:
Sou criança e moleca!
Creio que entraria na sala 1, se é que entendi a idéia do filme. Ou em uma de filme de comédia.

Enfim, também odeio tias ou qualquer um que fique me perguntando sobre "meu gatinhoS", ainda mais sendo pluralizado.

Sardinha Mestre disse...

Gostei.... Gostei mesmo... texto muito bom, muuuuuuiiiiitooooooooo bom. Fez eu parar no meio e pensar um pouco, rir um pouco e até me envolver muito com a personagem.

Rui Carlo disse...

Eu tomei a emoção dela empreatada .... gostei dessa forma de pensar.. vou sair pra chorar os outros...
Quando baixa a Madre Tereza em mim, vou a um leprosário?
A falta de fim é um fim, estiloso, clássico, amei teu estilo

Bj