24 de jul. de 2009

John Lennon errou

Eles conversavam sobre os sonhos de infância. Era uma conversa banal sobre as coisas que sonharam um dia e que não se realizaram. Piloto de fórmula um, cabeleireira, jogador de futebol, manicure, bombeiro... Iam intercalando. Uma casa com cerca branca, ela lembrou com um sorrisinho ao pensar no apartamento que estavam reformando para irem morar. Um castelo com fosso cheio de jacarés - ele lembrou - e gargalharam juntos.

Um namorado de olhos azuis que soubesse tocar violão, ela emendou assim que os risos cessaram. Então ele, com ar de brincadeira, disse que ela havia procurado mal, já que olhos azuis ele até tinha, mas de música ele nada entendia. E era a mais pura verdade.

Ele completou dizendo que dera a sorte grande ao encontrar uma morena, bonita de doer, que fala muito e não sabe fritar um ovo - assim como ele sempre havia sonhado. E riu enquanto afundava o garfo na lasanha que ela tinha acabado de preparar no microondas.

Como já estava combinado, dentro de meio ano teriam uma bela festa de casamento. Esgotaram suas reservas e ainda buscaram alguma ajuda com os seus pais. Tudo corria dentro do esperado: ela completamente estressada e ele tão sossegado que arranjara outro dia na semana para jogar futebol. Ela enlouquecia só de pensar no descaso do noivo com aquela que prometia ser a noite mais importante dos dois até ali.

Os seis meses se passaram como poucos minutos. E a última briga antes de casados foi motivada justamente pelo "sagrado futebol", que aconteceu, inclusive, na véspera do casamento. "É a última partida dele no time dos solteiros", argumentou rindo o sogro do rapaz que, para contrariar todas as histórias de sogros, gostava muito do futuro genro.

O casamento correu como haveria de correr. Mulheres se amontoando para ver a noiva entrando, homens fingindo não se importar, brincadeiras sobre o buque que ainda estava nas mãos daquela que entrava de branco na igreja...

No entanto, quando o padre iria declarar o motivo pelo qual todos estavam ali, o noivo levantou o braço interrompendo o celebrante, acenou para um dos padrinhos que sumiu na sacristia, subiu os dois degraus que os separavam, pegou o microfone, recebeu um tapinha nas costas, limpou a garganta e disse:

"Boa noite a todos. Sei que o meu papel hoje aqui diante de todos vocês se resumiria a dizer umas poucas palavras e que, tendo diante de mim uma mulher tão deslumbrante, não poderiam ser diferentes de 'sim, eu aceito'..."

Neste momento o padrinho sai de sacristia e entrega a ele um violão.

"... no entanto, há cerca de seis meses enquanto conversávamos sobre os nossos desejos de infância, descobri que Ela, pelo simples fato de ser Ela, realizava todos os sonhos que eu jamais poderia ter tido por mais que tivesse me esforçado para isso. E fiquei sabendo também que um dia ela sonhou ter um namorado com olhos azuis e que tocasse violão.

Por isso eu ensaiei duas vezes por semana durante esses últimos meses enquanto ela imaginava que eu jogava futebol. E para que não pensem que já começamos tudo com uma mentira, na primeira semana eu fui, de fato, jogar bola nestes dias. Depois disso, ela não me perguntava mais ao me encontrar de chuteiras. Difícil foi explicar ao professor de música o porquê de eu não usar um calçado mais confortável.

E foi assim que completei a metade da descrição do "sonho de namorado" em que o DNA não me ajudou. E é por isso que peço perdão ao padre, aos padrinhos e a todos que estão na igreja por ter interrompido justo antes que ele nos declarasse marido e mulher. “Mas deste modo eu já não seria mais um namorado.”

E antes que terminasse de falar deu seu primeiro acorde.

Ela não se lembra de uma só nota da música. Mas ainda assim afirma que continua sendo a mais bonita que já ouviu em toda sua vida.

5 comentários:

Honey baby disse...

Quee bela história...Conseguiu me entreter...hehehe
Ótimo finds florzinha!
beijão!

Unknown disse...

FALASÉRIOQUEVOCÊFAZISSOCOMIGO!!
Tô com os olhos cheios de lágrimas, sorrindo ao ler tua história!
Aliás, você já tá ensaiando? rsrs

Beijos

Patrícia disse...

Tem selo pra vc lá no blog :)

Debora Rebecchi disse...

já pensou em transformar isso em roteiro de um curta metragem?

beijos

Erica disse...

Que história mais linda!Tô emocionada.Parabéns por ter um marido assim.Beeijo