31 de jan. de 2009

Sem reticências

Ele gosta dela. Ela sabe.
Ela gosta dele, ou um dia assim disse. 
Demonstram isso se ignorando.
Ele porque assim foi solicitado.
Ela porque os problemas lhe ordenaram.
Ambos porque são teimosos.
Se insistissem no contrário, seriam obstinados.
Como omitir não é mentir, seguem com suas meias-palavras.

O que um dia foi platônico, hoje é (infelizmente) lacônico.

26 de jan. de 2009

24 de jan. de 2009

A mãe e o sniper

Era uma viagem longa e ela devia muito papo para conversar, provavelmente pelos vinte dias de assuntos acumulados no tempo em que passou servindo ao seu ocupadíssimo filho na cidade em que ele agora morava.

Então encontrou aquele jovem que, por pura educação, se dignou a responder qualquer amenidade sobre o tempo quando adentrou ao ônibus e ergueu as sobrancelhas para demonstrar surpresa e admiração pela recém promoção de um jovem cirurgião, que agora já se tornaria o ocupadíssimo cirurgião filho daquela mesma mãe.

Sobrancelhas arqueadas e pessoas carentes deveriam ser mantidas em distância segura. Sempre!

Foi então que a orgulhosa mãe sentou-se ao lado do, até então, simpático rapaz e narrou aquela versão materna dos Lusíadas - com menos seres medonhos e, claro, muito mais trombetas vitoriosas.

E assim, cada conquista fora minuciosamente retratada ao ouvinte, que até então não tivera sido interlocutor, um pouco por falta de vontade e muito por falta de oportunidade.

Numa época onde anti-heróis são protagonistas e heróis apanham muito antes de conseguir alcançar um objetivo, aquele jovem era uma proeza! Nunca passara uma dificuldade! Era uma espécie de 007 Shean Connery, quando o mocinho sequer amassava o seu terno.

Passou em primeiro lugar no primeiro vestibular (para medicina!) que tentou - embora ao ouvir a palavra "tentar" o calmo ouvinte tenha esboçado um sorriso meio de deboche que não foi notado pela mulher que falava ("um cara desses não tenta nada!"). Passou em primeiro lugar para a residência, que agora fazia em "um dos mais importantes hospitais de São Paulo". Tem a namorada mais linda do mundo. Tem amigos animados. Tem dinheiro - muito...

Em todo o tempo que falou, este arauto maternal não trouxe a tona uma febre sequer, qualquer deslize que fosse. Um rapaz irrepreensível!

E assim correu o tempo. Menos do que ela precisava, mais (muito mais) do que ele gostaria. E a viagem ia seguindo daquele modo: a cada curva da estrada, uma vitória do rebento. Longos quilômetros...

Quando o ônibus finalmente foi acomodado em sua plataforma de desembarque. O jovem, que naquele momento beijaria o chão tal qual o Papa mais popular, fez menção de levantar para partir e teve seu braço segurado. Disso resultou a pergunta que jamais esperava que surgisse naquela viagem:

- E você?

Os pensamentos correram para todos os lados. Não estava preparado para aquilo. Não saberia o que responder! Falaria dos seus sonhos? Do seu trabalho? De onde mora? Não... ele não queria se estabelecer como parâmetro para reforçar o brilhantismo daquele de quem a saga não o deixara dormir.

Então, do fundo da sua pequenez (reforçada depois de viajar ao lado da progenitora de um ente, obviamente) foi que ele agiu com a frieza de um atirador de elite que possui apenas uma oportunidade. Puxou de sua memória o único verso do único poema que conhece e falou com um sorriso plácido:

- Eu? Bem... "Eu nunca conheci quem tivesse levado porrada na vida."

21 de jan. de 2009

Emoções alugadas

Ela era do tipo independente que, apesar de não ligar muito para convenções, se mantinha muito discreta em suas questões particulares. Diferente de muitas pessoas, adorava a suas chamadas tias velhas, mas, igual a todas as pessoas, odiava quando queriam saber sobre "como andavam os gatinhos"?

A princípio argumentava para si mesma que o que a incomodava na questão era o plural - "Sou uma puta, por acaso?" - mas logo se convencia de que a insatisfação era com a interferência em sua vida pessoal e, justamente em uma área em que ela ainda não se achava bem resolvida. Suas tias eram como aquelas pessoas que lembram a você da mancha de molho em sua camisa, mesmo tendo sido você o algoz e a vítima daquele volume de pesto que voou do garfo.

Naquele sábado a tarde, em que parecia que o sol não se decidia entre ir e vir, já contando com a certeira pergunta resultante da mais-que-certeira visita de suas tias, resolveu que ficaria chocada e chegaria a chorar, sim, mas pela dor dos outros. Pegou sua bolsa, óculos escuros e um pacote de lenços - desejava precisar deles - e foi ao cinema. Calça jeans e camiseta: esta seria seu uniforme naquele dia onde as lágrimas derramadas não seriam, de direito, dela. Por isso aceitou ir tão "comum".

Chegou cedo. Muito cedo! Mas não podia correr o risco de assistir ao filme errado. Entao postou-se diante da saída do cinema e passou a observar a reação do público, sem sequer saber qual filme seria. Não queria escolher pelo mocinho, pela história ou mesmo pelo diretor. Queria um filme pela emoção que provocaria nela.

Sala 1: Saiu um monte de crianças reproduzindo uma fala qualquer do filme. Nem pensou duas vezes. Um monte de moleques felizes com os pais seria, de novo, motivo para que os sofrimentos dela aparecessem. Não era esse o objetivo. Tal qual não era o da Sala 2, que trazia um monte de casais que pareciam fazer ali o seu primeiro programa juntos. O que poderia se refletir em mais uma dor de ferida cutucada retornou um pequeno sorriso malicioso - "sorte a minha não ter um cara que me convida para o cinema antes de saber direito se me chamam de Ju por ser Júlia, Juliana ou Jussara."

E assim, ao fim de cada sessão um novo pensamento. Descartou a sala de onde dois adolescentes saíram trocando soquinhos e onomatopéias. Passou direto pela sala de onde vinham pessoas com cara de nada, todos empolados em seus pensamentos intelectuais. "Droga! Lágrimas não precisam de grandes questões filosóficas!", pensou a jovem que já ficava saturada dos malditos "Multiplexes" quem empilham filmes nos shoppings.

Até que viu um indivíduo sair de uma das salas com um semblante óbvio de raiva. Não era a emoção que ela queria, mas era uma de verdade! Nada de sorrisos bobos, olhares apaixonados. Não havia leveza na alma! Era sofrimento alheio na mais pura essência! Quando se aproximou para ver o número da sala para comprar o ingresso que a levaria para essa jornada de emoções ouviu o homem que atirava seu ingresso no lixo reclamar que trabalhava no inferno e que nem uma boa comédia podia assistir em paz sem que mandassem mensagens para seu celular.

A ela restou guardar para si mesma um pensamento que a divertiu por alguns segundos: bem que avisam para desligar o celular...

Ja convencida de que seria mais um sábado daqueles onde sua auto-estima era completamente destruída antes de sequer pensar em sair na noite - o que, diga-se de passagem, ajudava bastante na sua condição atual - foi que viu a porta a sua frente se abrir com pessoas notadamente mexidas. Mulheres choravam copiosamente, crianças consolavam os pais, homens quebrando o já frágil protocolo de que não deveriam chorar. Era perfeito! Era tudo que ela precisava: chorar a dor dos outros sem julgamento de quem estivesse do lado. Todos inundariam aquela sala de lágrimas juntos pelo sofrimento de alguém que talvez nunca tenha existido.

Carpideira! E do tipo que não espera receber. Pelo contrário, pagaria pelo "serviço". Mas tudo bem, seria meia a entrada.

17 de jan. de 2009

Limpeza no baú

Resolveu que naquele dia arrumaria todas as lembranças que carregava. Não as colocaria em ordem cronológica ou alfabética, apenas queria tirar o pó dos seus pensamentos e, agora com algum espaço de tempo, avaliá-los. Ainda não sabia qual destino daria a eles.

Começou pelas lembranças de infância e riu de cada uma delas. Como pode ter dado tanta carga de emoção para coisas que hoje julga tão pequenas? 

Então pensou que se um dia voltasse a fazer esta limpeza, certamente acharia engraçado o quanto sofre por causa de seus "grandes problemas" de hoje. Continuou rindo das lembranças de infância, mas agora com uma certa deferência às cicatrizes (a maior parte delas na pele) e chegou até a se emocionar com a memória do dia que reclamou que só tinha pão com manteiga ou quando reclamou que não era aquele o brinquedo que queria. Mesmo assim as guardou.

Aproveitou a consciência recém adquirida e passou para a pasta dos problemas. Iria começar pelos grandes, claro! 

Mas ai veio a questão: quais seriam os grandes?

Resolveu, então, pegar os que viessem primeiro. Chegou a conclusão de que, de fato, nenhum deles deveria estar ali . Então foi dividindo o conteúdo desta pasta entre outras duas: "experiências" e "nada". Nesta primeira foram parar os que fizeram dele um homem melhor, mais forte e até mais generoso. Na pasta "nada" foram os antigos problemas que o fizeram se arrepender até de tê-los guardado... eram embrulhos muito grandes, que ocupavam enorme espaço e que só estavam cheios de mágoas! Todos para o lixo... sem olhar.

As lembranças das brigas foram pelo mesmo caminho.

Então resolveu partir para a mais difícil de todas as caixinhas: a dos relacionamentos. Nunca conseguira olhá-las de forma imparcial. Todas elas tinham um laço enorme de culpa quando guardou. Culpa dele. Culpa delas. Algumas com embrulhos tão iguais que parecia tolice ter guardado duas memórias assim, mas era tanta culpa amarrando essas lembranças que ele jamais pensara em sequer pegá-las para ver.

Então suspirou fundo e resolveu que aquele seria o dia em que abriria a Pandora de dentro do seu peito. E ficou absurdamente surpreso ao ver que as fitas estavam completamente poídas. Nenhuma culpa resistiria a tanto tempo. Culpas dele e dela indiscriminadamente destruídas, pois a culpa não era de nenhum dos dois. Nunca foram.

E assim foi revisitando cada uma das lembranças dos relacionamentos passados. Era impossível perder o sorriso no canto do rosto! Como pode ter feito aquilo? Ter sido tão impulsivo? E aquela atitude? E ria de alegria em saber que, diferente do que sempre pregara, não "havia perdido seu valioso tempo com ela."

Viu que as garotas não eram tão cruéis quanto ele pintava nas mesas de bar e, ao mesmo tempo, se convenceu que não fora aquela vítima que sempre acreditou. Todos tiveram suas cotas de sofrimento. Todos tiveram suas cotas de experiências.

Então achou que não deveria guardar todo aquele tesouro com ele. E, após limpar e olhar com clareza as suas lembranças, resolveu devolvê-las e reparti-las com as suas donas. Sabia que não teria mais nada com elas, mas não podia deixar memórias tão valiosas se estragando no fundo de um baú. E o que é pior, ocupando espaço para novos momentos.

Escreveu a cada um dos ex-amores e contou tudo que viu ali. Era como se estivesse devolvendo os discos e livros favoritos da sua antiga esposa, mas sem o tom de vingança que tal procedimento carrega. Devolveu aqueles "livros" e "discos" justamente porque elas gostavam deles muito mais do que ele.

Ficaram ambos mais leves. O baú e a alma.

Os ex-amores ainda não responderam. Devem estar sem entender - ou limpando seus baús.

13 de jan. de 2009

Pro[fim]ximidade

Eu só sei que ele resolveu se permitir sentir aquela coisa estranha, que podíamos chamar felicidade.
E admitiu que o sorriso ultrapasse seus lábios e se postasse ali durante um bom tempo; tempo o bastante para ele mesmo perceber que estava sorrindo mais, com maior frequencia.
A crueldade e a bondade foram usadas na hora certa, mesmo sem imaginar que era...
E eles resolveram não pensar em mais nada, só passar o tempo juntos.
Ele não escolheu o caminho incerto, e os dois corações [um que havia ido para casa, e o outro que pensou estar partido] passaram a caminhar lado-a-lado, sem mais duvidar que a felicidade existia e havia sido dada a eles no exato momento em que se conheceram.
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"She is a sensation...
No matter what you do
I´ll give my heart to you
No matter what they say
We can find a way..."
[Ramones]

Texto escrito e ultrapassado, mas não poderia deixar de publicá-lo pela intensidade dele. Significou muito para mim; vai ser vivo, colorido e importante para sempre [mesmo breve, foi intenso].

9 de jan. de 2009

Descoberta

Não há mais como negar a verdade que vivo: amo em demasia. Eu amo. Assim puro, assim simples.
Amo como quem chora de emoção. Amo como quem ganha medalha de Ouro nos Jogos Olimpicos.
Amo em grandes proporções.
Engraçado é pensar que amar assim é denso, sufocante. Não é. Amar em demasia significa o oposto: ser leve. Não prender, não exigir, não desejar, não chorar pelo que se foi.
Em grande proporção é o amor que carrego cá dentro, guardadinho, sem sufocar.
Amo desejando tudo o que de melhor a vida tem a oferecer. Amo me colocando à disposição para o que der e vier. Mas não quero que correspondam esse amor.
O amor que sinto me basta...
Eu sou o amor. E você?

1 de jan. de 2009

The first one

Há algum tempo venho pensando e repensando em coisas para escrever e simbolizar o começo de um novo ano. Todas as vezes em que me sentava diante desta tela, as palavras fugiam. Não havia léxico suficiente para expressar a sensação que eu tinha. E ainda não há.

É muito simples enumerar os pontos altos de 2008 e listar os planos para 2009. Mas não era isso que eu estava buscando para o meu primeiro texto do ano. Aliás, esse texto tem um pé em cada ano: ele começou a ser desenvolvido em 2008, mas está sendo registrado em 2009.
Com certeza absoluta, 2008 foi um ano de muitos marcos para todo o mundo. Ganhamos e perdemos com a freqüência e velocidade da luz; fizemos amigos, deixamos alguns outros no passado, logicamente sem nos esquecermos deles.

Tive medo dessa chegada de 2009. Talvez eu não quisesse sair de 2008 por estar presa a muitas coisas boas que aconteceram. A minha espiritualidade se ressaltou, e espero que eu continue assim, bem pertinho de Deus, durante este novo ano. Trabalhei bastante e consegui desenvolver muitos projetos. Amei. Mas me machuquei mais. E não me arrependo disso. Talvez tenham sido por causa das feridas que eu tenha me tornado uma pessoa melhor. Fui mais digna. Digna de Deus, digna de mim. Respeitei minhas vontades, minhas escolhas. Respeitei meus sonhos, embora tenha pensado esquecê-los.

É engraçada essa sensação que o final de ano causa na gente. Não sei se em todas as pessoas, em mim pelo menos. Não tenho o costume de fazer retrospectiva, analisando tudo que deixei passar e poderia ter sido feito, ou tudo que fiz e não precisava fazer. Mas penso, em geral, como uma etapa de renovar as esperanças. Não é porque mudou o ano que alguma coisa vá mudar na minha vida. Talvez vá. Principalmente neste ano. Mas não porque virou, e sim por que as conseqüências de meus atos estão começando a explodir agora.

Não posso dizer que AMEI em 2008. Eu ainda amo. Mas esse sentimento de amor que eu tenho acordado aqui dentro é esquisito. Ou não. Talvez seja esquisito porque eu não estive acostumada a uma coisa tão simples assim durante toda a minha vida. Talvez isso seja realmente amor. Ou compaixão. Ou seja apenas um sentimento calmo e puro que eu esteja adquirindo com o passar dos anos.

Parando realmente pra pensar, os anos passam e essa passagem é marcada nesta data em que a gente queima fogos de artifícios. É pra isso que serve toda essa festa, que antes eu não entendia. Serve para dar adeus ao ano que passou e, muitas vezes, não foi bom para algumas pessoas. Então a gente fica ali esperando ansiosamente para dar adeus ao que a gente não quer mais viver, com fé em Deus e esperança no coração de que os fogos, os ventos e as ondas irão levar tudo de ruim que nos aconteceu no ano anterior. E, talvez, nossa fé realmente faça com que tudo mude. E o ano seguinte começa com mais vivacidade, com alegria e com as forças renovadas.

O ser humano precisa disso. Eu preciso disso. Preciso dizer que 2008 se foi, e embora tenha sido muito bom para mim, não espero sentir saudade dele porque quero que 2009 seja um ano mais maravilhoso que todos os outros passados. Espero que 2009 seja o ano de verbalizar tudo o que nós planejamos. E que não tenhamos apenas planos, mas que tenhamos formas e meios para colocar em prática tudo o que foi sonhado.

Que este NOVO ANO venha carregado de verbos: florescer, ajudar, aprender, rir, ensinar, compadecer, partir, voltar, dançar, brincar, perdoar, sonhar, escrever, ler, ouvir, dar as mãos, abraçar, correr, pular, beijar, querer, rezar, agradecer, apaziguar, comprometer-se e amar. Amar e mais amar como se fosse a única coisa mais importante de toda a nossa vida.

Um beijo carregado de verbalização.